O Globo: O senhor diz que no ano passado foram realizados mais de 130 mil implantes dentários no Brasil. Como esses números foram obtidos? Qual é a fonte dessa pesquisa?
Dr. Luciano: Infelizmente, não existem estatísticas oficiais a respeito do número de implantes dentários anualmente utilizados no Brasil. Entretanto, segundo dados de 2009 da ABIMO, Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, cerca de 800 mil implantes são consumidos por ano no país, além de 2,4 milhões de acessórios e componentes protéticos. Seriam mais de 2000 implantes por dia, considerando 365 dias por ano, ou 70 mil unidades por mês. A indústria nacional atende 90% deste mercado.
O Globo: Esse número pode ser considerado alto?
Dr. Luciano: Sim. Se considerarmos o numero de cirurgiões dentistas autorizados pelo Conselho Federal de Odontologia para realização deste procedimento - cirurgiões bucomaxilofacias, periodontistas e implantodontistas. Existem cerca de 16.000 desses profissionais em todo o Brasil, significando dizer que cada um deles instalaria ao menos 50 implantes por ano, não importando em que região ele trabalhe ou o número de atendimentos que faça rotineiramente. Sabemos, por outro lado, que estados como RJ, SP e MG respondem juntos por mais da metade da concentração de dentistas no territorio nacional, o que nos remeteria a uma reflexão interessante: a realização desta alternativa terapêutica, ao menos nestes estados, pode estar sendo sobrevalorizada.
O Globo: O senhor diz que há um abuso no procedimento de implantes no Brasil. Por que isso ocorre?
Dr. Luciano: Coordeno atualmente os cursos de pós-graduação em implantodontia do Instituto de Odontologia da PUC-Rio. Por sermos uma unidade de referência na área, recebemos um grande número de pacientes oriundos das mais diversas regiões e estratos sociais. Dois aspectos são comuns a muitos dos que nos procuram: a presença de implantes fixados inadequadamente, sem um correto planejamento reabilitador, e a extração prematura de dentes. É claro que poderíamos atribuir tais achados a muitos fatores, mas talvez os mais relevantes fossem o despreparo profissional e o grande volume de informações deturpadas, facilmente disponíveis a este respeito, que chegam aos ouvidos da população. Infelizmente, muitos dentistas acreditam que os dentes são menos previsíveis que implantes a longo prazo, o que não é verdade. Por tratarem-se de orgãos de alta complexidade, ao substituirmos dentes por implantes estaremos abrindo mão de funções dentárias importantes como, por exemplo, a propriocepção (capacidade de identificação de estímulos a partir das fibras do ligamento periodontal) . Em hipótese alguma deveriamos comparar implantes a dentes, já que os primeiros são próteses desenvolvidas para cumprir parte das funções atribuídas aos últimos.
O Globo: O que pode ser feito para evitar esse abuso?
Dr. Luciano: A informação é sempre a melhor saída. Entretanto, o tempo tem nos mostrado que ela por si não basta. Sua qualidade, confiabilidade e relevância parecem ser o diferencial que deveríamos buscar. Quanto à atuação do cirurgião dentista, cabem às Universidades e demais entidades de ensino o compromisso com a formação de profissionais éticos e capazes de tomar decisões de forma criteriosa.
O Globo: O que são implantes dentários?
Dr. Luciano: Implantes dentários correspondem a pequenos parafusos, medindo entre 8 mm a 15 mm, fabricados a partir de ligas de titânio e que, uma vez instalados nos ossos maxilares, são capazes de suportar os esforços mastigatórios. Na prática, correspondem a próteses metálicas intra-ósseas, altamente biocompatíveis, utilizadas para substituir as raízes de dentes perdidos.
O Globo: Quando eles devem ser indicados?
Dr. Luciano: Sempre que houver a necessidade da reposição de dentes perdidos pode haver uma opção por esta alternativa de tratamento. Entretanto, sua correta indicação irá depender de uma análise criteriosa das condições locais e sistêmicas do paciente. Vale ressaltar que alguns estudos clínicos de média e longa duração demonstraram que dentes, ainda que cariados ou abalados periodontalmente, podem apresentar uma sobrevida tão ou mais longa que implantes. Recentemente, o prof. Ricardo Fischer, Titular da disciplina de Periodontia da UERJ e uma das grandes referências da especialidade no Brasil, tem ressaltado em suas conferências a importância de estabelecermos critérios para a substituição de dentes por implantes. Já em 2000, o respeitado prof. Jan Lindhe, da Universidade de Gotemburgo, dizia que na Europa extraiam-se muitos dentes desnecessariamente e que essa idéia de que implantes são melhores que dentes seria uma inversão da lógica. Nos Brasil, não temos esses dados, mas é provável que a situação esteja se repetindo.
O Globo: Quais são as contra-indicações?
Dr. Luciano: Como qualquer outra intervenção cirúrgica, a implantodontia deve ser realizada respeitando-se um protocolo que começa na primeira consulta, com a coleta de informações relativas à saúde do paciente, e termina com a apresentação e discussão do plano de tratamento proposto à realização do caso. De posse destas informações e após considerar um grande número de variáveis como idade, doenças pré-existentes, fumo, padrão mastigatório, história médica etc., o profissional poderá definir qual caminho seguir. Classicamente, condições como irradiações e quimioterapias recentes; relatos de alergia ao titânio; uso continuado de bifosfonatos; diabetes mal controlado; doenças ósseas severas e outras manifestações sistêmicas importantes podem limitar a utilização de implantes odontológicos.
O Globo: Quais são os tipos de implantes mais usados hoje?
Dr. Luciano: Sem dúvida alguma os implantes mais utilizados em todo o mundo são do tipo osseointegráveis, feitos de titânio. São peças idealizadas e confeccionadas para permitir a adaptação e remodelação óssea ou seu redor de forma fisiológica e contínua. Estudos clínicos longitudinais iniciados na Suécia ao final da década de 60 e mantidos até meados dos anos 80 trouxeram dados muito favoráveis a esta técnica. Nos últimos 20 anos, a implantodontia mundial, calçada nestes achados, conquistou avanços importantes como a diminuição dos intervalos de cicatrização e consequente encurtamento do tempo de tratamento.
O Globo: Quais são os melhores e os mais seguros?
Dr. Luciano: Difícil dizer quais seriam os melhores implantes da atualidade, pois estes dados também não estão disponíveis de forma clara. Sabemos que o desenho cilíndrico, contendo um espiralado em seu corpo e elaborado inicialmente pela equipe do Prof.Branemark, há mais de 40 anos, é o que apresenta as melhores taxas de sucesso. Entretanto, este projeto tem sofrido modificações de forma muito frequente, embora nem sempre adequadamente comprovadas, mas que tornam difíceis a comparação entre marcas ou modelos distintos. Nossa sugestão é para tanto dentistas quanto pacientes procurarem sempre por tecnologias cientificamente testadas e aprovadas.
O Globo: Qual é a durabilidade dos implantes?
Dr. Luciano: Existem dados clínicos comprovando eficácia e segurança de implantes osseointegráveis por mais de 40 anos. Alguns milhões de unidades são anualmente instaladas em todo o mundo, de maneira que não seria exagero afirmar que representam, quando bem indicados, uma alternativa bastante segura e duradoura de tratamento.Por outro lado, sua utilização não isenta o paciente de cuidados e riscos às infecções comuns relativas à cavidade oral.
O Globo: Qual é o preço médio de um implante dentário hoje?
Dr. Luciano: A precificação deste tratamento pode conter altíssima variabilidade. Isto acontece porque a complexidade do caso irá determinar os custos envolvidos. Muitas vezes, a colocação de um único implante pode envolver diversos procedimentos como cirurgias plásticas gengivais, enxertos ósseos, próteses especiais e, principalmente, tempo. Ao contrário do que temos acompanhado nas TVs e outras mídias, a grande maioria dos casos de edentulismo com indicação para receber implantes não deveriam ser realizados de forma imediata. A prática de abreviação dos intervalos de tratamento encontra indicações precisas e traz consigo taxas de sucesso menores que as obtidas usualmente. A título de ilustração, um único dente implantado pode representar custos de R$2.500,00 a R$ 20.000,00, dependendo das etapas que deverão ser realizadas para se alcançar o resultado esperado.
O Globo: O que pode ser feito para baratear esse tratamento, sem perder a qualidade?
Dr. Luciano: Políticas públicas de longo prazo, baseadas em prevenção, serão sempre mais baratas e eficazes do que alternativas protéticas como a implantodontia. Entretanto, como forma de oferecer este tratamento em bases populacionais, podemos citar a experiência sueca, que ainda na década de 70, utilizava um número reduzido de implantes para suportar todos os dentes mandibulares, minimizando custos. Esta alternativa mostrou-se altamente confiável e eficiente, tendo sido adotada pelo governo local como mais uma forma de combate ao edentulismo total e todo o impacto social que esta condição representa.
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